Se toda a radiação que atinge a Terra em um único dia, vinda do Sol, virasse eletricidade, seria possível sustentar o consumo da humanidade ao longo de 27 anos. A energia solar, limpa e renovável, funcionaria como perfeito substituto do petróleo, finito e refém da gangorra dos preços. Representaria ainda o mais magnífico processo de troca de matriz energética, no avesso da poluição provocada pela queima de combustíveis fósseis, o mais rápido e danoso atalho para o aquecimento global. E, no entanto, por que a energia solar ainda é pouco usada, quase sempre mais promessa que realidade? As placas de silício necessárias para captá-la por meio de painéis são caras, pesadas e grossas. Apesar de úteis em grandes espaços, como campos, são inúteis para substituir o petróleo na vida urbana. Nos últimos cinco anos, porém, surgiu uma nova tecnologia afeita a vencer esses desafios. Construídas com material não tóxico, as placas OPV (sigla em inglês para painéis fotovoltaicos orgânicos) têm a finura de uma cartolina e a flexibilidade do plástico. Podem ser coladas no teto de um carro, nas janelas de prédios ou mesmo em mochilas.
A inovação pode ser o empurrão que faltava para a adesão maciça à energia solar. As placas delgadas de OPV funcionam de modo ligeiramente diferente das de silício, as mais populares – no caso das OPV, o revestimento feito de tinta orgânica reage quimicamente ao contato com a radiação, liberando os elétrons que formam a corrente elétrica (veja o quadro ao lado). Nos painéis tradicionais, o calor associado à luz ativa os circuitos de silício, em um processo mais complexo.
O Sol sempre foi, é natural, a principal fonte de energia para a Terra, e o homem se aproveita disso há muito tempo. Já na Grécia antiga, casas eram construídas voltadas para o sul para ser mais bem iluminadas e aquecidas pela luz. Mas as placas solares tais como as conhecemos só começaram a ser concebidas na segunda metade do século XIX, quando o matemático francês Augustin Mouchot notou que o ritmo de consumo de carvão após a Revolução Industrial não era sustentável a longo prazo e foi buscar alternativas. Mouchot utilizou um espelho côncavo para canalizar a luz, aquecer a água e construir o primeiro motor movido a energia solar. As pesquisas evoluíram a passos curtos até os anos 50, quando a empresa americana Western Electric começou a comercializar tecnologias fotovoltaicas de silício que impulsionaram essa indústria. Foi, porém, apenas na década de 80 que os painéis de silício ganharam o mercado e, de imediato, começaram a ser exaltados por conservacionistas como a alternativa ecologicamente adequada ao petróleo e ao carvão.
Apesar de cumprir a missão de transformar luz solar em energia, a primeira geração de painéis solares não era versátil. Além de as placas serem trambolhões, emitiam grandes quantidades de gases poluentes em sua fabricação. A segunda geração, que surgiu nos anos 1990 e é de cobre e gálio, não foi para a frente em decorrência de as substâncias químicas usadas em sua construção terem valores inviáveis. A terceira, representada pela OPV, surgiu no início dos anos 2000 com um cipoal de vantagens. O filamento tem 5% do peso do de silício; as placas dependem menos da exposição ao sol para gerar energia; em dois meses compensam os poluentes emitidos em sua produção (com as de silício, são necessários doze anos para alcançar essa contrapartida); e, por serem maleáveis, podem adotar a forma que for, aptas a instalação em qualquer lugar.
A única desvantagem ainda é o preço. Uma família brasileira de consumo mediano teria de investir 12 000 reais para comprar os 12 metros quadrados de placas necessários para suprir sua demanda cotidiana. É, contudo, um empecilho temporário. Como acontece com toda tecnologia recém-nascida, o tempo tratará de barateá-la. “Nos anos 1980, cada watt gerado por uma placa solar custava absurdos 76 dólares. Hoje, sai por só 5 dólares, e o preço continuará a diminuir”, aponta o engenheiro Marcos Maciel, diretor de operações da Csem Brasil, com sede em Belo Horizonte. A Csem é um raríssimo exemplo de empresa brasileira que aposta em inovação e que pode levar o país à liderança do setor. Hoje, apenas 0,7% da matriz energética mundial é proveniente de fontes solares. Estima-se, porém, que esse número se multiplicará por oito até 2030 e que ainda neste século os combustíveis fósseis serão eliminados de nossa rotina e substituídos completamente por alternativas, principalmente a solar.
As placas de OPV, o futuro do setor, só se tornaram comerciais há cerca de cinco anos e ainda representam menos de 1% do mercado global de energia solar. O Japão e a Alemanha são líderes na fabricação dessas folhas, mas o Brasil tem a rara chance de entrar na disputa com boas perspectivas. Segundo o Atlas Brasileiro de Energia Solar, um estudo do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) elaborado com dados coletados por onze satélites, o país pode espalhar placas solares eficientes por praticamente todo o seu território. Um cenário favorável e dificílimo de encontrar pelo mundo. O plano da Csem é popularizar a OPV no Brasil, instalando placas em cidades, áreas rurais e represas.
Para a comercialização da tecnologia foi criada outra empresa ligada à Csem, a Sunew, que pretende iniciar os trabalhos em poucas semanas. Desde setembro, a companhia está construindo uma fábrica que deve abrir as portas em julho e cuja produção, de 2 metros de placas por minuto, vai torná-la a maior do gênero no planeta. Já há interessados na novidade. A Sunew fechou contratos com gigantes como Fiat e Votorantim. A montadora deve instalar a OPV em automóveis. A fabricante de cimento planeja colocar os finos captadores de energia em represas para a geração de eletricidade em larga escala. O potencial é imenso. Se um terço do Lago de Furnas, em Minas Gerais, fosse coberto de OPV, a energia gerada supriria toda a demanda nacional. O país não sofreria mais com crises energéticas como a deste ano, provocadas pela seca e pela inépcia.
A OPV é um alento para um mundo excessivamente dependente de fontes energéticas insustentáveis a longo prazo. Por exemplo, se continuássemos a consumir petróleo no mesmo ritmo de hoje, esse recurso acabaria em todo o planeta ainda neste século. É um cenário improvável, porém. Como anotou o xeique Ahmed Zaki Yamani, ex-ministro de Energia da Arábia Saudita, na década de 70: “A idade da pedra não acabou pela falta de pedra, e a idade do petróleo acabará muito antes que o mundo fique sem petróleo”.
A incontestável verdade das Mudanças Climáticas criou uma bem-vinda movimentação global para a adoção crescente de fontes de energia sustentáveis e a pressão constante para a diminuição da emissão de dióxido de carbono, o C02, na atmosfera. O petróleo e as atitudes incoerentes com os esforços sustentáveis se tornaram os grandes vilões de nossa era. Há previsões cada vez mais apocalípticas, algumas cientificamente comprovadas, outras convenientemente exageradas, mas a lista de danos é grande: a acidificação de oceanos, o derretimento de geleiras e a devastação de habitats. Essa maciça preocupação foi expressa por Ban Ki-moon, secretário-geral da ONU, numa definição recente e já clássica: “Não há plano B, porque nós não temos um planeta B”. Os painéis fotovoltaicos orgânicos podem representar esse plano B.
Uma casa 100% solar
Com dez anos de experiência no setor de energia, o engenheiro e empresário mineiro Walter Fróes procurava uma forma de inovar sua vida profissional, no ano passado, e achou nas fontes solares o maior potencial para essa reviravolta. Antes de entrar no negócio, ainda em construção (ele pretende investir em empresas do setor energético), quis perceber no próprio cotidiano se a tecnologia valia a pena. Em setembro, Fróes instalou 36 painéis de silício sobre o telhado da casa, no bairro de Mangabeiras, em Belho Horizonte. O equipamento fornece 9 quilowatts, o suficiente para cobrir quase todo o consumo de sua família. A energia começa a ser produzida por volta das 6h30, tem pico ao meio-dia e termina às 18 horas, quando o excedente é armazenado para a noite.
Promover essa mudança não saiu barato: foram investidos 81.000 reais em aparelhos. Mas, além de fazer bem para o planeta (o engenheiro calcula que já deixou de emitir 5 toneladas de CO2 na atmosfera), faz bem para o bolso. A conta mensal na casa de 500 metros quadrados, que saía por mais de 1.000 reais foi reduzida em 97%. “Terei retorno do meu dinheiro em quatro anos.”, diz Fróes. Em alguns meses ele chegou a produzir mais energia do que precisava. Por não ter uma bateria apropriada para armazenar a carga, Fróes precisa pagar pela utilização do Sistema Integrado e tem de enviar à rede pública o excedente produzido. No fim do mês, contas feitas, recebe um crédito em quilowatts quando fornece mais do que consome.
O investimento doméstico na energia solar deverá valer ainda mais dentro de alguns meses, se vingar a promessa recente do ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, de desonerar de uma série de impostos aqueles que trabalham com energia solar.
Comentários