A 16ª fase da Operação Lava Jato, que coloca sob
suspeita contratos firmados pelo clube do bilhão com a Eletronuclear,
subsidiária da Eletrobras, tem o potencial não só de expor um novo duto de
desvios bilionários, como também de aumentar ainda mais a conta de luz dos brasileiros.
Especialistas ouvidos pelo site de VEJA apostam que o impacto da Operação em
todo o setor elétrico será inevitável. Ocorre que, como as empreiteiras
envolvidas na Lava Jato não são apenas responsáveis pela construção da maior
parte dos projetos, mas também sócias dos empreendimentos, a paralisação das
obras em decorrência das investigações pode afetar a conclusão de usinas vitais
para o abastecimento do país. Com isso, a dependência das térmicas, que custam
caro ao Tesouro, tende a aumentar – e como o governo já não dispõe de fartos
recursos para cobrir esse rombo, o consumidor deve aguardar um peso a mais no
bolso.
Tal estimativa
poderia ser mero exercício de futurologia, não fossem os resultados da Lava
Jato, até agora, no âmbito da Petrobras. Descobriu-se, no curso das investigações, um emaranhado de empresas drenando recursos da estatal. A mira
do Ministério Público chegou ao setor elétrico justamente por que recebeu
denúncias de delatores envolvidos no petrolão. O executivo Dalton Avancini, da
Camargo Corrêa, afirmou, em depoimentos prestados após acordo de delação
premiada, que o cartel de empreiteiras formado na Petrobras continuava a se
reunir para discutir o pagamento de propinas a dirigentes da Eletrobras e da
Eletronuclear, mesmo depois do estouro das investigações sobre o petrolão. Com
isso, foram presos o presidente afastado da Eletronuclear Othon Luiz Pinheiro
da Silva e Flavio David Barra, presidente da Andrade Gutierrez Energia. De
acordo com Avancini, Pinheiro da Silva recebeu propina das empreiteiras.
Até o momento, as
suspeitas mais graves recaem sobre a usina de Angra 3. Mas, se o esquema de
pagamento de propina e superfaturamento se comprovar sistêmico, tal como no
setor de óleo e gás, há o risco de projetos estruturantes, como Belo Monte,
Jirau e Santo Antônio, também serem paralisados. “O grande problema é que esses projetos estão muito internalizados pela estatal. Não há como
dissociá-los da Eletrobras. E, uma vez que há atrasos, toda a perspectiva para
o setor se altera. E como o governo se mostra incapaz de arcar com os
subsídios, o consumidor ficará com o fardo”, afirma Roberto Pereira
d’Araújo, fundador do Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor
Elétrico (Ilumina).
Atrasos podem
decorrer não só do efeito das investigações, como também do enxugamento do
crédito para a infraestrutura. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social (BNDES), que teve os repasses do Tesouro drasticamente reduzidos devido
à crise fiscal, tem sido o principal financiador das obras do setor elétrico –
mas entre as garantias exigidas para a concessão de empréstimos, há restrições
a empresas investigadas. “Se os empresários tiverem de recorrer ao setor privado, o custo do dinheiro será mais caro. Se o custo do capital aumenta,
sobe também o custo do empreendimento. No fim das contas, o empreendedor vai
repassar o custo maior para a tarifa e, neste caso, também é o consumidor que
paga a conta”, afirma Walter Fróes, sócio da CMU Energia.
Atualmente, 27% do
que se consome no Brasil é proveniente de fonte térmica, que custa ao menos o
dobro da que vem das hidrelétricas. O consumidor paga essa conta por meio das
bandeiras tarifárias. Há ainda o financiamento da Conta de Desenvolvimento
Energético (CDE), usada pelo governo para bancar os descontos na conta de luz
prometidos em 2012 pela presidente Dilma. A redução de cerca de 20% de três
anos atrás se converteu em alta de 58% devido à crise que se abateu sobre o
setor após as mudanças regulatórias feitas para viabilizar a conta mais barata.
O barato, no fim, saiu caro. “A Eletrobras está numa trajetória de
declínio assustadora desde as mudanças no setor elétrico. O que está
acontecendo hoje é o desfecho de uma decadência já consolidada”, afirma
Claudio Sales, presidente do Instituto Acende.
A perspectiva da
conclusão das hidrelétricas de Belo Monte, Jirau, Santo Antonio e a usina
nuclear de Angra 3 era encarada pelo governo como a única forma sustentável de
garantir o abastecimento sem dilacerar os cofres públicos no longo prazo,
diante da escassez de chuvas e o esgotamento das hidrelétricas em funcionamento.
A crise hídrica, garantem os especialistas, não teria afetado o país da forma
como afetou, não fossem os erros de planejamento e atrasos em justamente essas
quatro obras.
No caso de Angra 3,
alvo do eletrolão, o atraso ganha contornos indecentes. O projeto da usina foi
feito há mais de 20 anos, mas saiu do papel apenas em 2009. À época, estudos
mostravam que os investimentos seriam mais eficientes se fossem feitos em
hidrelétricas ou térmicas — isso significa que o mesmo valor investido em Angra teria rendido mais megawatts se fosse usado nas duas outras formas de
geração. O governo optou pela energia nuclear. Estima-se que os gastos com a
usina alcancem a cifra de 15 bilhões de reais – e ainda devem subir, tendo em
vista que ela deve ficar pronta apenas em 2019, cinco anos depois do prazo
estabelecido no cronograma inicial. “A consequência é um custo assustador
para a economia brasileira e para o contribuinte que paga a conta do
investimento que poderia ser muito mais eficiente”, afirma Sales, do
Instituto Acende.
Comentários