Os principais reservatórios das hidrelétricas estão chegando ao fim do período de chuvas com o nível de armazenamento mais baixo dos últimos 12 anos. Apesar da comparação desfavorável, especialistas consideram boas as chances de atravessar o período de estiagem – que começa agora em maio e vai até novembro – sem sobressaltos, minimizando o risco de racionamento de energia em 2014.
A perspectiva de maior tranquilidade no abastecimento, porém, não está saindo de graça: o custo de acionamento das usinas térmicas deverá mais do que quadruplicar, em relação a 2012, e abriu uma confusão regulatória para evitar o repasse desses gastos para os consumidores residenciais.
Nos subsistemas Sudeste-Centro-Oeste e Nordeste, que representam cerca de 90% do armazenamento de água das hidrelétricas, o nível dos reservatórios ao fim do período de chuvas superou as expectativas do governo e conseguiu reverter a situação desesperadora do início de janeiro.
A última ata disponível do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) registra que, na primeira semana de março, o governo previa chegar ao dia 30 de abril – data considerada como término da estação chuvosa – com 57,6% de capacidade no subsistema Sudeste – Centro-Oeste e com 47,2% no Nordeste. Anteontem, o volume estocado estava em 62,3% e em 48,3% do total, respectivamente.
“A situação é mais confortável do que se esperava. Chegamos a um nível razoável de armazenamento. Em janeiro, o quadro era terrível”, avalia João Carlos Mello, presidente da consultoria Thymos Energia. Ele acha possível o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) alcançar o nível-meta fixado para os reservatórios ao fim do período seco, em 30 de novembro, com 47% de armazenamento nos reservatórios do Sudeste-Centro-Oeste e 35% no Nordeste. Se isso ocorrer, segundo o governo, o abastecimento em 2014 estará garantido, mesmo que o ano que vem registre a pior estiagem em oito décadas.
A recuperação dos reservatórios, no entanto, tem um alto custo. Mello calcula que os encargos pagos pelo acionamento das usinas térmicas vão atingir R$ 12 bilhões neste ano. Em 2012, eles somaram R$ 2,7 bilhões, um valor já elevado em termos históricos.
Para evitar que a redução das tarifas de energia anunciada pela presidente Dilma Rousseff fosse corroída, o governo instituiu um novo sistema para dividir o pagamento dos encargos. Antes, os consumidores – livres (industriais) e cativos (principalmente residenciais) – rachavam a conta. Desde março, uma resolução do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) determina que metade dos encargos vá para o preço de liquidação das diferenças (PLD), referência no mercado de curto prazo. A outra metade passou a ser compartilhada entre consumidores, geradoras e comercializadoras de energia.
Essa divisão fará com que a conta aos consumidores fique abaixo de R$ 3 bilhões. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) ainda resolveu diferir o impacto em cinco anos, amortecendo os próximos reajustes de tarifas. “Há uma situação de mudança de regras a todo o momento. A cada hora o governo faz um puxadinho no setor elétrico, em prol da modicidade tarifária, mas essa instabilidade tem causado desconfiança no mercado”, diz Walter Fróes, presidente da CMU Energia, comercializadora com sede em Belo Horizonte.
Essa confusão chegou aos tribunais. A Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel) entrou com pedido de liminar contra a participação do segmento no rateio dos encargos. O juiz da 22ª Vara Federal de Brasília, Francisco Neves da Cunha, deu prazo para a Advocacia-Geral da União (AGU) se manifestar e uma decisão é aguardada para os próximos dias. As geradoras ameaçam seguir o mesmo caminho.
Estão operando atualmente cerca de 14 mil megawatts (MW) em usinas movidas a óleo, carvão e gás. Todo o parque térmico do país vem sendo acionado desde outubro. “Se estivesse no ONS, manteria as térmicas em funcionamento por mais tempo, mas percebe-se uma pressão para desligá-las”, diz Roberto Pereira D’Araújo, diretor do Instituto Ilumina, um observatório do setor.
O acionamento das térmicas foi uma estratégia adotada para salvar os reservatórios nos últimos meses, mas reflete uma situação estrutural. Dados obtidos pelo Valor com o operador do sistema mostram que as hidrelétricas brasileiras estão perdendo, de forma gradual e consistente, a capacidade de poupança para aguentar períodos de hidrologia desfavorável. Em 2001, os reservatórios podiam suportar 6,2 meses de atendimento de toda a carga do sistema interligado nacional, caso parasse totalmente de chover. Essa capacidade diminuiu para 5,4 meses em 2009, foi para 4,7 meses em 2013 e chegará a apenas 3,5 meses em 2019.
Em resumo, o sistema tornou-se mais dependente do humor de São Pedro. Esse aumento da vulnerabilidade se deve essencialmente às restrições socioambientais para a construção de hidrelétricas com grandes reservatórios, enquanto a demanda por energia continua em alta, mesmo com o fraco crescimento da economia.
“Se só temos mais usinas a fio d’água e não há novas térmicas, não vai ser com as eólicas que garantiremos a segurança do sistema”, diz uma autoridade do setor elétrico, que defende o aprofundamento das discussões em torno do assunto, como a aposta por usinas a carvão na região Sul.
Um exemplo é o do rio Madeira, em Rondônia, onde estão sendo construídas as hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau. Sua vazão pode variar de 6 mil metros cúbicos por segundo (em época de estiagem) a 45 mil (em período de cheia). Com reservatórios menores, as usinas são mais dependentes das chuvas para produzir grande quantidade de energia.
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