As polêmicas envolvendo a edição e a tramitação da MP 579, que alterou radicalmente o perfil do setor elétrico brasileiro, dão margem a muitas lições, começando pela primeira delas, a mais simples de todas, que é como não se fazer determinadas coisas.
O setor elétrico tem mais de 100 anos. É muito organizado. Sem querer desmerecer os demais, é um dos mais organizados na economia brasileira. Nessa existência de muitos anos, algo que sempre caracterizou o setor elétrico foi o diálogo. Ironicamente, até mesmo durante o regime militar o diálogo prevaleceu no setor elétrico brasileiro. Antes da tomada de decisões fundamentais, os executivos – todos de empresas estatais, na época – eram consultados. Tudo em nome de um sistema que precisava manter a eficiência e garantir as bases para o desenvolvimento do País.
Todas as pessoas de bom senso apoiam um dos pilares da medida provisória, que é a redução de tarifas e preços, mas isso não pode ser feito com base na destruição de valor das empresas elétricas e da marginalização do mercado livre. Com a MP 579, algumas lições que os executivos e empresários brasileiros do setor elétrico aprenderam durante toda a vida foram subitamente esquecidas por alguns que têm a responsabilidade pela tomada de decisões. Meia-dúzia de iluminados se reuniram durante semanas, em algum lugar incerto e não sabido, e, de repente, jogaram goela abaixo de todo o setor um conjunto de medidas arbitrárias, que não foram discutidas com ninguém fora desse grupo de iluminados.
As consequências visíveis até agora são extraordinárias, a começar pela perda de valor de mercado das empresas do setor, que um dia chega a 40%, em outro atinge 50%. Algumas joias da coroa do setor elétrico brasileiro, como a Cemig, Cesp, e a Copel, por exemplo, foram violentamente atingidas. Curiosamente, se uma dessas grandes empresas se nega a aceitar o jogo do governo, o valor das suas ações sobe. Ou seja, o mercado precifica corretamente que a ação do governo não é lá grande coisa.
O mais preocupante de tudo é que, no grupo dos iluminados, três eram da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que participaram de todas as discussões com os executivos do Ministério de Minas e Energia, como se isso fosse a situação mais normal da face da Terra. Não é. Apesar de serem veteranos nessa atividade profissional eles não entenderam até agora que a Aneel não é um braço do Poder Executivo.
A Aneel é um órgão de Estado. A agência não tem que se submeter às pressões do Poder Executivo. Como a Polícia Federal, por exemplo, que não é garroteada pelo Ministério da Justiça. A comparação é válida, pois é simples assim. Se o MME queria alterar radicalmente o setor elétrico, não cabia a ninguém da Aneel participar dessa aventura e, sim, fazer o que deveria ser feito apenas na hora de regulamentar o que tivesse que ser regulamentado.
Isso é lamentável, pois é um retrocesso institucional. A Aneel acabou de comemorar 15 anos e, em vez de consolidar o seu papel histórico de agente do Estado, ela preferiu se diminuir e se transformar em um braço do Executivo, inclusive falando como se Executivo fosse, o que é um absurdo total.
Hoje, a agência reguladora está irremediavelmente rachada. Afinal, dois dos cinco diretores e um superintendente trabalharam à revelia total dos demais componentes do órgão. Isso é péssimo para o setor elétrico brasileiro, pois percebe-se com clareza que o ambiente dentro da agência reguladora é o pior possível. Aliás, a própria cerimônia de comemoração dos 15 anos da Aneel não poderia ter sido mais melancólica.
A grande lição que a MP 579 encerra é que não se pode meter os pés pelas mãos no setor elétrico. E nem se pode ser autoritário. Para que o setor elétrico funcione, é necessário que o diálogo prevaleça. A falta de diálogo na elaboração da MP 579 gerou um clima de politização que não interessa a ninguém. O setor precisa funcionar em bases técnicas. Aliás, poucos países no mundo tem um setor elétrico com tanta qualidade técnica reconhecida como o Brasil.
Que tal, senhores, se deixássemos o autoritarismo e a política partidária de lado e voltássemos a fazer com que o velho e bom diálogo reocupe o seu espaço no setor elétrico brasileiro?
Walter Fróes é presidente da CMU Energia
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