O aumento da participação do governo em financiamentos de hidrelétricas e os seguidos anúncios de pacotes de investimento de infraestrutura com forte viés estatal são alguns dos sinais de que as ações iniciadas em 2008 para enfrentar a crise mundial tornaram-se reféns de si mesmas. Como o termo sugere, as medidas adotadas como anticíclicas deveriam ser excepcionais e servir para enfrentar temporariamente períodos recessivos ou de baixo crescimento. Mas acabaram duplamente desvirtuadas, em duração e intensidade, e sem cumprir a missão de tirar a economia do marasmo.
Especialistas ouvidos pelo Estado de Minas reconhecem que as intervenções federais para reduzir tributos sobre mercadorias, para expandir e baratear o crédito e para aumentar os gastos públicos alcançaram sucesso contra o auge das turbulências, em 2009. Mas ressaltam que a insistência em estimular o Produto Interno Bruto (PIB, a soma das riquezas produzidas no país) apenas pela trilha do consumo doméstico já explicitou o esgotamento da estratégia do Planalto.
Além disso, efeitos colaterais como endividamento das famílias, excessiva presença estatal no crédito e desconfiança de investidores conspiram contra os próprios alvos do governo. Investidores retraídos levam o Estado a tomar espaço do gasto privado, gerando preocupantes sinais de estatização, potencial elevação da dívida pública e da consolidação de riscos de mais mudanças na regulação em setores concedidos à livre iniciativa.
Na semana passada, a presidente Dilma Rousseff avisou que cobrirá via Tesouro despesas extras para reduzir a conta de luz e a reforma de centenas de aeroportos regionais. No setor aeroportuário, a presidente segue insistindo na participação majoritária da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero) nas licitações dos aeroportos, o que reduz o retorno dos investidores privados, que preferem aportar seus recursos em outras regiões do planeta. É preciso que o governo desate o nó ideológico no setor de infraestrutura. As taxas de retorno das empresas que investiram nos principais aeroportos do mundo é de 20%. No Brasil, está limitada a 6% por causa da participação da Infraero, observa Hugo Ferreira Braga Tadeu, professor associado da Fundação Dom Cabral.
Nem mesmo a redução histórica dos juros básicos está conseguindo elevar o nível de investimento direto, principal fonte de reação para a retomada da ecomia, conforme o próprio governo vem defendendo. Não por acaso, o pibão de 7,5% em 2010 rendeu os pibinhos de 2011, com 2,7%, e o deste ano, em torno de 1%. Para Renato Fragelli, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), mais do que ter carimbado na economia brasileira o seu tradicional fenômeno de voo da galinha, o declínio pode ter apontado outra realidade ainda mais preocupante a partir de agora.
O mercado começa a prever tetos mais baixos para a expansão considerada sustentável, antes na casa de 4% e 4,5%, ilustra Fragelli. Para Carlos Thadeu de Freitas Gomes, economista chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), a expectativa de crescimento para o ano que vem está entre 3% e 3,5%. Um dos fatores que preocupam é a escolha de empresas a serem protegidas e um sinal menos amistoso para outros setores investirem, minando a credibilidade do país.
Choque Carlos Thadeu não consegue enxergar melhora substancial do cenário sem uma revisão da estrutura tributária, com a cessão de receitas da União em favor dos estados para reduzir acúmulos e sacrifícios sobre a produção. Rodrigo Constantino, economista do Instituto Millenium, avalia que o crescente nível de intervencionismo do governo na economia nos últimos dois anos já ganhou contornos arbitrários. O empresário Walter Froes, diretor da CMU, comercializadora de energia no mercado livre, concorda. A alteração das regras do jogo no setor elétrico, por meio da MP 579, foi recebida com espanto pelos agentes do segmento.
A saída é a presidente melhorar o diálogo com o setor elétrico. A edição da MP 579 é uma lição sobre como não fazer uma coisa. O pacote poderia ter saído, com o efeito desejado, mas tendo como base uma discussão mais ampla, observa. Segundo Constantino, reduzir na marra os custos gerais da economia e a escalada da inflação sempre leva a problemas futuros. O governo, por exemplo, se acostumou em perseguir a inflação no topo da meta e continua usando a Petrobras para conter o impacto do reajuste de combustíveis, levando prejuízos ao caixa da estatal.
Crédito Ele lembra que os estímulos ao setor automotivo não exigiram contrapartidas das montadoras e o crédito continua sustentando as vendas dos veículos. O ideal é reduzir preços de forma estrutural para agregar consumidores perenes, sugere. A maior preocupação de Constantino está no avanço estatal na concessão de crédito, direcionando recursos para alvos preferenciais. Segundo dados do Banco Central (BC), 46,7% dos recursos bancários estão nas mãos do setor público. Em paralelo, os desembolsos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) alcançam cifras recordes, metade das quais sustentadas por repasses do Tesouro e com impacto sobre a dívida bruta.
Em 2013, o governo terá que decidir se vai querer um câmbio mais alto, que beneficia a indústria mas aumenta a inflação, ou um dólar mais valorizado, que fará as vendas externas recuarem e a inflação ficar menor, avalia o professor de finanças Paulo Vieira. De acordo com ele, de qualquer maneira o que há de certo é que o governo terá de ser dinâmico para administrar a economia no ano que vem. Estamos numa encruzilhada e as coisas mudam de uma hora para a outra por causa da crise internacional, pontua.
Consumo pode ser armadilha
Da mesma forma que a atual crise internacional, com crises fiscais da Europa e Estados Unidos, é mais complexa do que a marolinha enfrentada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no fim da década passada, os seus efeitos sobre o Brasil também são de difícil avaliação. O desemprego continua no menor nível histórico, a renda segue em alta e o consumo cresce em ritmo muito superior ao da expansão da economia.
Isso explica como a desaceleração do PIB ainda não afetou a popularidade do governo Dilma Rousseff, que manteve recorde de aprovação, com 62% da população o considerando ótimo ou bom, revelada pela recente pesquisa CNI-Ibope. A crise não chegou totalmente à população, explica o gerente-executivo da Unidade de Pesquisa e Competitividade da CNI, Renato da Fonseca.
Estimular o consumo é mesmo, do ponto de vista prático, a melhor forma de empurrar a economia, em vez de batalhar por reformas estruturais, lembra Otto Nogami, professor de economia do Instituto Insper. Ele lembra que o consumo das famílias representa 64% do PIB e é sensível ao crédito, à elevação de renda e ao esforço para baixar as taxas bancárias. Mas o gasto do governo continua esbarrando nos limites orçamentários da União e na dificuldade burocrática de investir na infraestrutura. Sobrou então para o consumo, o que pode estar sendo, no fim das contas, um tiro no pé.
Investimentos Em paralelo a isso, ele explica que as exportações não conseguem ser a válvula de escape para as deficiências de outras contas e que as importações continuam sendo um redutor da atividade produtiva. O diferencial esperado do investimento privado, pressionado pelo mercado doméstico e pelas desonerações tributárias, segue em compasso de espera, acrescenta. Há pelo menos três anos temos observado a dificuldade de execução de investimentos na economia, sejam públicos ou privados. O discurso oficial, em favor dos investimentos, não emplacou. E para completar os investidores estão mais cautelosos, detalha.
Reginaldo Gonçalves, professor da Faculdade Santa Marcelina, em São Paulo, defende como uma aposta mais segura de progresso a ampliação do foco em relação à demanda. Para ele, é preciso incluir de vez a competitividade industrial nas políticas públicas e apontar esforços rumo ao mercado internacional. Ser campeões de exportação de produtos primários leva ao empobrecimento do parque industrial e à dependência a produtos de maior valor agregado fabricados no estrangeiro, afirma Gonçalves. (SR e ZF)
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