Desconforto. Essa foi a palavra utilizada pelos agentes do setor elétrico para definir como estavam se sentindo os conselheiros da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica que renunciaram aos cargos nos últimos dois dias. A interferência do governo na CCEE, usando a entidade como instrumento para a captação de fundos para as distribuidoras, foi o que teria motivado a saída dos executivos. Luciano Freire, que estava na instituição desde 2008, foi o primeiro a renunciar ao cargo, logo após a Assembleia que aprovou o empréstimo pela CCEE. No dia seguinte, mais precisamente na última quarta-feira, 23 de abril, foi a vez de Ricardo Lima e Paulo Born deixarem a câmara.
Walter Fróes, presidente da CMU Comercializadora, diz que as renúncias estão relacionadas com o empréstimo a ser realizado pela CCEE. “São decisões individuais, mas com certeza existe algum desconforto com a situação “, apontou o executivo em entrevista à Agência CanalEnergia. Ele pondera que o mercado precisava de uma solução, visto que as distribuidoras não tinham como arcar com o pagamento da liquidação de fevereiro, que acontecerá na semana que vem.
“Nós comercializadoras apoiam o governo porque a situação das distribuidoras é desesperadora. Elas não tem dinheiro para honrar a liquidação da próxima semana. Eu respeito o caminho que o governo tomou, mas respeito as decisões individuais de cada conselheiro”, comentou Fróes. Ele avalia que outras alternativas poderiam ter sido escolhidas pelo governo, como o empréstimo ser feito pelas próprias distribuidoras ou até o próprio governo poderia conceder esse empréstimo, mas este último caso esbarraria com a obtenção de índices de superávit primário. “A melhor maneira seria as distribuidoras contratarem esse empréstimo diretamente, mas parece que elas não tem limite, estão muito endividadas. E esse número é brutal, parece que é maior que o Ebtida de todas elas somadas”, declarou.
Mikio Kawai, diretor executivo do grupo Safira, avalia que a renúncia não deverá alterar o cronograma previsto para a captação dos recursos. A assinatura do contratos com o bancos financiadores está prevista para esta sexta-feira, 25 de abril, e deverá ser mantida. Ele ressalta que pelo código civil, quem assina pela empresa, como o administrador ou o diretor estatutário é co-responsável pelas medidas tomadas pela empresa e isso pode ser um dos motivos da saída dos executivos. “Eles não se sentiram confortáveis em assinar uma operação que é singular”, comentou.
O presidente da Comissão de Energia do Conselho Federal de Energia da Ordem dos Advogados do Brasil, Gustavo de Marchi, acredita que a motivação maior tenha sido o aparelhamento político do órgão, que até então era totalmente independente. “Esse empréstimo não estava previsto no estatuto da CCEE, isso logicamente gera perda da independência”, comenta. Ele ressalta que o descontentamento com as medidas já era esperado, mas ninguém imaginou que três conselheiros renunciariam ao cargo. “Imagino que a motivação maior tenha sido a interferência de ordem institucional, essa deturpação do papel da CCEE, que foi originalmente constituída para um fim e esse fim está sendo desvirtuado”, apontou.
Fróes, da CMU, reafirma que a preocupação do comercializador é que essa conta, em um eventual default, não recaia também sobre os agentes que não são beneficiários do empréstimo. “Me parece que foi introduzido uma salvaguarda quanto a essa questão e espero que ela seja cumprida”, declarou. Mesmo com o empréstimo a ser tomado pela CCEE, a crise no setor elétrico pode não estar totalmente resolvida. A redução dos valores a serem pagos pelas distribuidoras com exposição involuntária e custo das térmicas depende do sucesso do leilão A-0, que acontecerá no dia 30 de abril, e também do comportamento do Preço de Liquidação de Diferenças nos próximos meses. Ultimamente, o PLD tem ficado no teto, de R$ 822,83/MWh, ou muito próximo dele.
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