A mão pesada com que o governo federal tem conduzido a renovação antecipada das concessões de usinas hidrelétricas que vencem entre 2015 e 2017 deixou um cheiro de estatização no ar. Com tarifas menores do que as previstas pelas concessionárias e indenizações que, segundo as empresas, estão aquém do adequado, grandes grupos do setor começam a rejeitar a proposta da União. Sem renovar as concessões, as empresas vão explorar as usinas até o fim do contrato, quando as instalações serão revertidas para o governo. Com isso, o barateamento da energia para o consumidor está ameaçado.
A recusa abre precedente para que o governo federal assuma, por conta própria, a operação das usinas geradoras, das distribuidoras e das linhas de transmissão. Afinal, os valores propostos pela União foram estipulados mediante elaboração de estudo de viabilidade. Pressupõe-se, portanto, que os preços das tarifas sejam praticáveis.
Se a União quiser gerenciar, ela pode. A Medida Provisória 579 não diz quem deve ficar com os empreendimentos. Porém, a gestão de empresas privadas costuma ser mais eficiente, afirma o presidente da Delos Consultoria, Martin Salvati. A MP 579 diz respeito às condições para que as empresas renovem as concessões que venceriam entre 2015 e 2017 de forma antecipada.
Especializada no setor elétrico, a consultoria trabalhou junto à Companhia de Transmissão de Energia Elétrica Paulista (CTEEP) na elaboração de um estudo de viabilidade.
Já negaram
A CTEEP é uma das empresas que não irão renovar a concessão das usinas que vencem em 2015. Além da paulista, a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) deixou de pedir a renovação dos contratos de Miranda, Jaguara e São Simão, essa última, a maior da estatal.
Na última sexta-feira, o Conselho de Administração da Centrais Elétricas de Santa Catarina (Celesc) também recusou a renovação. A Companhia Energética de São Paulo (Cesp) anda na mesma direção. A empresa vai decidir em assembleia geral no dia 3 de dezembro se renova ou não os contratos.
Cronograma
Outro ponto que dá um tom federalizante à MP 579 é o cronograma. As concessionárias terão que assinar os contratos em 4 de dezembro, mas o prazo não é suficiente para que a MP seja votada pelo Congresso, afirma o diretor do Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Elétrico (Ilumina), Roberto DAraújo.
Empresas prestadoras de serviço
Se as empresas aceitarem as tarifas, elas serão menos prestadoras de serviço do governo. É uma medida estatizante, afirma o presidente da CMU Comercializadora de Energia, Walter Fróes.
Ele lembra que , caso a estatal federal Eletrobras aceite renovar as concessões a vencer entre 2015 e 2017 nos termos estipulados pelo governo, a geração de caixa do grupo em 2013 será zero. As intervenções do governo são muito pesadas. Há mérito, já que a energia vai ficar mais barata. Mas não tem critério. O governo mudou as regras do jogo de forma inesperada e como ele quis, critica.
O presidente da CMU afirma que as propostas são impraticáveis. Caso valores sejam aceitos pelas empresas, o sistema pode ser prejudicado e a qualidade da energia piorar.
Outra possibilidade levantada por Froés seria as estatais assumirem o risco e tomarem o controle de empreendimentos. Para isso, no entanto, seria necessário que o tesouro injetasse dinheiro. Quem pagaria a conta seria a população, afirma.
Livre negociação do preço da energia será prejudicada
Além da possibilidade de o governo assumir a exploração das usinas, o tratamento dispensado ao mercado livre de energia, o tratamento dispensado ao mercado livre de energia (ambiente em que os preços são negociados livremente) dá mais força ao tom estatizante com que o governo tem tratado a renovação antecipadas das concessões.
O governo definiu a tarifa usina por usina. Isso não acontece em nenhuma parte do mundo, afirma o diretor de Desenvolvimento Estratégico do Setor Elétrico (Ilumina), Roberto DAraújo.
Para o diretor executivo da Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace), Lucio Reis, a falta de isonomia com o mercado livre na aplicação da medida provisória 579 fortalece os sinais de nacionalização do setor. A energia barata nos virá para o mercado livre, onde o preço é negociado livremente. Só irá para o cativo, onde o governo será poder sobre a tarifa, comenta.
Reis se refere à forma como serão compostos os pacotes de energia após as renovações dos contratos. A energia mais barata, cujas concessões já foram amortizadas e sobre a qual não irão incidir alguns encargos, será dividida entre as distribuidoras do país com o objetivo de beneficiar os consumidores cativos (residências e indústrias, que não podem escolher o fornecedor).
Daí virão as novas tarifas, com queda de 16,2% para os consumidores residenciais e de 28% para as indústrias . Ou seja, o mercado livre não será contemplado.
É injusto, pois os consumidores do mercado livre ajudaram a amortizar os investimentos do sistema energético, afirma Lúcio Reis.
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