Nas décadas de 1980 e 1990, os projetos para implantação de fontes alternativas de energia das modalidades solar e eólica enfrentaram uma grande oposição de governos e investidores globais, focados na extração e distribuição de hidrocarbonetos (petróleo, gás natural e carvão). No Brasil, além das desconfianças em relação à confiabilidade da radiação solar e a foça dos ventos, este debate ganhou um complicador adicional: o peso da hidroeletricidade na matriz energética.
Em 2001, porém, a queda no volume dos reservatórios e a elevação do consumo colocaram em xeque a capacidade de a hidroeletricidade, sozinha, dar conta do recado. Foi neste período que o jogo começou a virar. Primeiro em direção ao projetos de energia eólica, que começaram a brotar de norte a sul do país, com destaque para a região Nordeste, onde já respondem por até 89% do consumo diário.
Agora, ao que parece, é a vez de a modalidade solar ganhar escala. E nesta arena, quem está saindo na frente é a mineira Solatio Energia Livre, que nasceu da parceria entre a espanhola Solatio e a mineira CMU. Até 2023, a empresa pretende investir R$ 21 bilhão em projetos energéticos, de olho nos grandes consumidores, como redes de supermercado e indústrias, por exemplo. As usinas serão espalhadas por Minas Gerais, Mato Grosso e Pernambuco, com potência instalada total de 12 Gigawatts (GW). Apenas para efeito de comparação, a Usina Hidrelétrica de Itaipu, a maior do Brasil, possui capacidade de 14 GW.
“Escolhemos Minas Gerais porque o estado está localizado numa área estratégica, onde é feita a interligação com as regiões onde se concentram os principais consumidores”, explica o empresário Walter Fróes, CEO da Solatio Energia Livre e sócio-fundador da CMU Energia.
Apesar de mirar nos peixe graúdos deste mercado, Fróes também está colocando em marcha uma estratégia específica para o segmento de geração distribuída. Neste filão, o foco são os consumidores residenciais e os pequenos comércios que recebem energia em baixa tensão. Se no caso do mercado livre o argumento de venda é a garantia de abastecimento na quantidade contratada e pelo valor pactuado, para este público o apelo da geração distribuída se concentra na possibilidade de redução do gasto com energia. “Levando-se em conta a tarifa de baixa tensão cobrada em Minas Gerais, a economia pode chegar a 15%”, destaca o empreendedor.
Para atender este público, a Solatio captou R$ 1 bilhão junto a investidores e a meta é fechar o ano com uma carteira composta por cerca de 100 mil clientes. Um número bastante conservador quando comparado às 3,2 milhões de pontos de conexão da Cemig, a concessionária de energia elétrica estadual. “Trata-se de um segmento difícil, pois depende de um afinado processo de captação de clientes”, diz.
Para reduzir custos e as desconfianças naturais em relação a um serviço ainda pouco difundido por aqui, a Solatio fez uma parceria com a Sicoob, uma das maiores cooperativas de crédito do Brasil e que vai atuar como ponto de venda do serviço. Também investiu em atendimento eletrônico para dirimir dúvidas e em uma campanha de marketing direto, baseada em ferramentas de business intelligence, com o objetivo de sensibilizar um milhão de consumidores nas regiões Nordeste e Sudeste.
Os números da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) confirmam a percepção do empreendedor. No período janeiro-junho, a geração distribuída cresceu 77,83% em relação ao primeiro semestre de 2019. A usina da Solatio instalada em Pacaratu (MG), e cuja foto abre essa reportagem, é parte dessa estatística.
Aos 64 anos, dos quais 40 anos dedicados à atuação na área de engenharia metalúrgica, Fróes se tornou empreendedor meio que por acaso. Tudo começou em 2001, o ano marcado pela ameaça de apagão e no qual foi colocado em prática, pelo governo federal, um Plano Emergencial. Naquele cenário, houve um disputa feroz para garantir o fornecimento de energia. “Em apenas uma tarde, num passeio pela região central de Belo Horizonte, eu consegui vender toda a cota de energia térmica que estava sob minha responsabilidade”, lembra. A lista de clientes era compostas por pesos-pesados do setor siderúrgico, segmento intensivo em energia.
Hoje, a CMU Energia continua baseada em Belo Horizonte, onde 35 funcionários, sendo 22 engenheiros eletricistas, administram a maior carteira do mercado livre, do Brasil. Fróes se mantém como um defensor intransigente da energia renovável. Não apenas por questões ambientais como também pela lógica econômica.
“Há quatro anos eu comprei um carro elétrico, que eu abasteço em minha própria residência, com a energia gerada em placas solares”, conta. Nesta operação ele diz gastar ínfimos R$ 0,025 por cada quilômetro rodado ante R$ 1,00 na versão do sedan a gasolina. “O futuro da mobilidade no Brasil passa pelo veículo elétrico”, aposta.