Com nível baixo de água nos reservatórios, AES, Cesp e Engie ligaram menos as
usinas e tiveram de comprar energia mais cara no mercado; 3º tri pode ser pior
A pior seca dos últimos 91 anos pegou em cheio as companhias de energia mais
expostas à geração hídrica, ao mesmo tempo em que beneficiou as que concentram
seus negócios na geração termelétrica.
Embora estejam acostumadas a lidar com riscos associados à fonte hídrica,
geradoras de energia como Cesp, AES Brasil e Engie viram uma piora de seus
resultados no segundo trimestre – e analistas apontam que o pior ainda está por vir.
A expectativa é de que o terceiro trimestre, marcado pelo período seco, seja mais
desafiador.
As geradoras hidrelétricas já vinham se preparando para equacionar seus balanços
energéticos, comprando energia desde o ano passado para zerar posições que
pudessem deixá-las expostas ao mercado de curto prazo. No entanto, o
agravamento mais acentuado do risco hidrológico (GSF) fez com que elas tivessem
que comprar mais energia, a preços elevados.
Os maiores gastos se destacaram nos resultados apurados de abril a junho. Na AES
Brasil, onde 61% da energia gerada é hídrica, houve redução de R$ 26,5 milhões na
margem hídrica no período, o que se refletiu na queda de 6,6% do Ebitda, para R$
257 milhões. No entanto, os prejuízos poderiam ter sido maiores se a companhia
não tivesse se adiantado na gestão do portfólio.
“Vemos um aumento do custo da energia, com o preço spot batendo no teto, então
foi bom termos antecipado [compras de energia]. Pelos nossos cálculos, essa
estratégia evitou um custo de R$ 190 milhões neste ano. Hoje estamos em posição
confortável, de não estar ‘short’ (deficitário em energia) para o resto do ano”, afirma
a presidente da geradora renovável, Clarissa Sadock.
Com um portfólio hidráulico de nove hidrelétricas e três pequenas centrais
hidrelétricas (PCHs), que somam 1.246,8 megawatts médios (MWm) de garantia
física bruta, a AES Brasil reduziu seu nível de contratação hídrica para 78% em 2021
e 80%, em 2022.
Efeito similar foi observado na Cesp, dona das concessões de Porto Primavera, na
bacia do rio Paraná, e de Paraibuna, no rio Paraíba do Sul. No trimestre, os custos e
despesas operacionais da geradora aumentaram 109%, para R$ 393 milhões,
puxados pela compra de energia. Com isso, a Cesp encerrou o período com prejuízo
líquido de R$ 18,1 milhões, revertendo o ganho de R$ 137,8 milhões observado um
ano antes.
Já na Engie, as operações de curto prazo na Câmara de Comercialização de Energia
Elétrica (CCEE) tiveram uma contribuição negativa de R$ 59 milhões no Ebitda do
segundo trimestre. A companhia, que tem onze hidrelétricas em seu parque
gerador, também aumentou o nível de descontratação devido à situação hídrica
adversa. Porém, observou no trimestre uma melhora operacional da termelétrica
Pampa Sul (RS), movida a carvão.
No sentido inverso, a hidrologia desfavorável impulsionou os resultados da Eneva,
que atua com geração termelétrica e exploração e produção de hidrocarbonetos.
Durante o segundo trimestre, a companhia viu um acionamento atípico de suas
usinas: todas foram acionadas durante algum período para atender a demanda.
Entre abril e junho, o lucro da companhia subiu 37,7%, para R$ 118 milhões,
enquanto as receitas cresceram 85,6%, somando R$ 963 milhões.
Para o segundo semestre, as geradoras hídricas dizem enxergar um cenário
desafiador, mas ressaltam que a gestão ativa do portfólio ajudará a mitigar novos
impactos da crise. No caso da AES, a expectativa é de colher benefícios com a “safra
de ventos” no Nordeste, que impulsiona a geração eólica no segundo semestre.
“Estamos com um perfil de geração dentro do ano com uma característica de risco
muito melhor”, aponta Clarissa.
Já em relação ao cenário hidrológico, as companhias preferem não arriscar
previsões para o próximo período chuvoso. A possibilidade de racionamento de
energia é descartada, ou no máximo vista como remota.
Para o presidente da Engie Brasil, Eduardo Sattamini, é possível que o país enfrente
blecautes em determinadas horas do dia se a situação hidrológica adversa se
estender. “Racionamento tem custo político, principalmente num ano eleitoral.
Imaginamos que haverá uma gestão [da crise], e hoje existem ferramentas
melhores de gestão do sistema elétrico do que há 20 anos”, disse, durante
teleconferência de resultados.
Apesar da crescente imprevisibilidade das condições hidrológicas, a fonte hídrica
não deixará de integrar a estratégia das empresas. A Engie, por exemplo, está
analisando as hidrelétricos colocadas à venda pela EDP Brasil. “Nossa percepção é
que devemos sempre olhar ativos que tenham algum tipo de sinergia e que estejam
no nosso ‘core’”, disse Sattamini. A Cesp também não descarta estudar a aquisição
de projetos hídricos no futuro, mas antes perseguirá a diversificação de seu parque
gerador.
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