Clientes no mundo inteiro foram orientados a se preparar para o fato de que interrupções do fornecimento de energia passarão a fazer parte da vida
Por Primrose Riordan, Edward White e Harry Dempsey — Financial Times, de Londres, Seul e Hong Kong
Os donos de fábricas na China e seus clientes no mundo inteiro foram orientados a se preparar para o fato de que interrupções do fornecimento de energia passarão a fazer parte da vida, num momento em que o presidente do país, Xi Jinping, obstinadamente, tenta acabar com a dependência da economia chinesa, a segunda maior do mundo, do carvão.
Meses de escassez causaram apagões de energia elétrica em residências no nordeste da China e em fábricas em todo o país. Mas a demanda por energia ainda está disparando em meio à procura recorde por produtos exportados pela China, e os problemas se agravarão com a perspectiva de o país registrar temperaturas extremamente baixas no inverno (de dezembro a março, no hemisfério Norte).
Apesar da enxurrada de intervenções do governo central, encabeçadas pelo premiê Li Keqiang, tanto as indústrias chinesas quanto as multinacionais foram conclamadas a aumentar a eficiência energética de suas fábricas e a acelerar os investimentos em energia renovável.
A Trueanalog Strictly OEM, uma fábrica de alto-falantes nas redondezas de Guangzhou, é emblemática da crise representada pelos apagões frequentes e que já atinge as exportadoras. Seu proprietário, Philip Richardson, disse que sua empresa vive ”tentando recuperar o atraso”. ”É o efeito dominó quando você corta a energia elétrica: afeta diretamente as colas nas linhas de produção, temos de reiniciar a moldagem, isso tira de 20% a 30% da produtividade no dia. É um incômodo mesmo”, disse ele.
Will Jones, diretor operacional da entidade de classe British Home Enhancement Trade Association, disse que 33% dos membros do setor de faça-você-mesmo e de jardinagem notificaram que os fornecedores prorrogaram seus tempos de processamento. A reação em cadeia, disse Jones, foi mais pressão inflacionária e uma ampliação dos tipos de produtos em falta.
“Isso está tendo um impacto sobre uma situação já muito difícil para os fornecedores, com limitações à disponibilidade de espaço em navios porta-contêineres e custos em escalada”, disse Jones. O governo chinês adotou um enfoque pragmático de curto prazo para enfrentar a escassez de energia ao reverter sua posição, direcionando-a, agora, em favor dos combustíveis mais poluentes, apesar de suas promessas de mais longo prazo de cortar o carvão.
Na semana passada, o governo chinês determinou uma acelerada expansão das minas de carvão. Também baixou reformas de mercado abrangentes, ao obrigar todas as usinas de energia elétrica a carvão a vender no mercado de atacado, ao autorizar que os que os preços da energia elétrica subam nada menos que 20%, e ao elevar os tetos de preços que beneficiavam alguns grandes usuários. A reformulação do mercado é “um enorme passo” na direção da liberalização do setor de energia elétrica, disse o analista David Fishman, do Lantau Group.
Não se prevê, no entanto, que as medidas do governo ponham fim, de imediato, às quedas de fornecimento de energia elétrica. Juntamente com as tensões observadas no setor de imóveis, os episódios de escassez incorporaram uma grande dose de incerteza aos números do crescimento chinês no terceiro trimestre, a serem divulgados hoje. Comparativamente à abrasadora expansão de 7,9% registrada no segundo trimestre, as projeções dos economistas consultados pela Bloomberg variam entre uma marca máxima de 5,8% e uma mínima de 4,5%.
“São muitas as empresas pegas de surpresa com a intensidade” dos episódios de escassez, disse Thomas Luedi, um especialista em energia da consultoria Bain, sediada em Xangai. Mas tiveram de “reconhecer que isso poderá acontecer de novo mais para o fim do ano”. Luedi acrescentou que os aumentos dos preços da energia elétrica obrigarão em pouco tempo algumas indústrias a reduzir a produção, o que oferecerá algum alívio à sobrecarregada rede de energia elétrica.
“Produtoras ineficientes poderão ver seus resultados despencar”, disse ele, apontando para fabricantes de menor escala de materiais de fundição, como ferro-manganês e silício metalúrgico como as prováveis primeiras vítimas. Em Guangdong, o maior polo da indústria de transformação da China, autoridades graduadas disseram que quase 150.000 empresas foram atingidas por casos de queda de energia no mês passado, relataram ao “Financial Times” pessoas familiarizadas com um relatório do governo.
Em uma concessão à constatação de que os problemas não poderão ser resolvidos de imediato, autoridades de Guangdong alertaram, extraoficialmente, que o racionamento provavelmente persistirá.
Também estimularam empresas a empregar sua própria geração de energia elétrica, o que provavelmente envolverá uma utilização ainda maior de diesel para geração de energia.
“Muitas empresas vão voltar a seus geradores de fundo de quintal. Alguns deles são ilegais. Elas terão de aprimorá-los, mas isso é muito mais rápido do que pôr uma central elétrica em operação”, disse um empresário do sul da China que pediu para não ter seu nome divulgado.
“Os apagões estão tirando de 30 a 40% dos períodos de operação e as tradings também estão vivenciando a mesma retração”, disse ele, acrescentando que as quedas de energia elétrica “não vão acabar amanhã”. O dono de fábrica Richardson recorreu à geração a combustão de diesel, apesar do custo cinco vezes maior, para que seus alto-falantes cheguem aos clientes da Europa e dos EUA.
Também contratou pessoal temporário para turnos na madrugada e está recorrendo ao frete aéreo, também de custo maior, como maneira de contornar o problema do congestionamento dos portos. Mesmo empresas em boas condições de se beneficiar da reação do governo – como as que vendem serviços de mineração e geração de energia elétrica de apoio – se defrontam com problemas para aproveitar a oportunidade.
Nathan Stoner, que dirige as operações do grupo americano de mineração e do setor de energia elétrica Cummins na China, disse que “embora haja algumas oportunidades”, as operações da empresa foram limitadas por cortes de energia elétrica que atingiram suas fábricas e as de seus fornecedores de peças.
No Reino Unido, Steve Levy, diretor-executivo da varejista britânica Heat Outdoors, disse que todas suas fornecedoras chinesas de aquecedores de espaços ao ar livre e de secadoras de mãos, principalmente sediadas em Jiangsu e em Guangdong, com exceção de uma, enfrentaram desativações semanais parciais.
Os tempos de processamento de uma das fornecedoras chinesas tinham saltado para seis meses, em relação aos quatro meses vigentes durante a maior parte da pandemia e às 10 semanas computadas antes do advento do coronavírus. “Não consigo tomar uma decisão para abril”, disse Levy, por não ter “a menor ideia” de como o mercado estará nesse mês.
Luedi, da Bain, alertou as pessoas a não “se deixar enganar” pela reversão da China na direção do carvão para gerir a crise.” O eixo do gráfico é claro. Mas há muita volatilidade em torno do eixo”, diz ele. “São necessários só alguns pontos percentuais a mais de crescimento da economia para levar o sistema temporariamente ao caos.”
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