A recente tramitação da Medida Provisória 540, na Câmara dos Deputados, mostrou muito bem que alguns especialistas do setor elétrico brasileiro, encastelados em nichos de poder, precisam olhar um pouco para o que acontece no resto do mundo, pois, em um aspecto que é o mercado livre de energia elétrica o Brasil seguramente está ficando para trás. É fácil chegar a essa conclusão.
Durante o processo de tramitação da MP 540 foram acolhidas duas emendas que permitiriam não só a venda de excedentes contratuais de energia elétrica por parte dos consumidores, como também a própria ampliação do mercado livre. Lamentavelmente ambas foram retiradas do texto final. Hoje, um cipoal formado por normas, decretos, resoluções e leis permite que apenas 1.500 grandes consumidores industriais ou comerciais possam fazer a opção pelo mercado livre.
Só não enxerga quem não quer: o Brasil está claramente na contramão da História, ao restringir a participação de mais consumidores no mercado livre. Em regiões como Europa, Estados Unidos ou Austrália, o mercado livre já está consolidado.
Para ficar apenas no exemplo da Europa, basta observar que os consumidores residenciais dos 27 países que compõem a zona do Euro podem escolher livremente o supridor de energia elétrica utilizando simplesmente a Internet, até mesmo pelo telefone celular. Alguém pode argumentar: bom, a Europa é a Europa e o Brasil ainda é um país emergente. Correto. Mas o que dizer quando a comparação é feita com países da América Latina, possuidores de economias muito menores e menos sofisticadas que a brasileira?
Pois bem: até na comparação com os vizinhos, o Brasil perde feio. Os limites de elegibilidade ao mercado livre, no tocante à demanda, são: > 1 MW na Bolívia e República Dominicana; > 500 kW no Chile; > 250 kW no Uruguai; > 100 kW na Colômbia, Guatemala e Panamá; e, finalmente, > 30KW na Argentina. Além disso, no Chile (> 2 MW) e no Peru (> 1 MW) esses limites são mandatórios, ou seja, todos os consumidores que atendem a esses níveis mínimos de demanda são necessariamente livres.
Convém lembrar que a elegibilidade no Brasil é de 03 MW para consumidores de energia convencional e 500 kW para os consumidores de energia especial. Inquestionavelmente, somos o país mais atrasado nesse campo.
Também pode-se dizer que o Brasil é assim mesmo, um país meio curioso. Afinal, aos usuários das telecomunicações, há mais de 10 anos, foi dado o direito sagrado de escolher o fornecedor do serviço. Se você, leitor, não está satisfeito com a sua operadora de telefonia celular, você simplesmente passa para alguma das concorrentes, tendo ainda o direito de preservar o seu número.
Ao pobre coitado do consumidor brasileiro de energia elétrica, porém, esse direito é negado. É verdade que o Brasil ainda tem algumas situações sociais lamentáveis e que muita gente não teria como exercer a opção. Esse também é um raciocínio não destituído de uma boa dose de racionalidade. Mas qual é a razão exata pela qual o Ministério de Minas e Energia (MME) não permite que os consumidores industriais em geral e centenas de consumidores comerciais não possam ter a opção de serem livres?
Voltando à MP 540, o relator da matéria, deputado Renato Molling (PP-RS), admitiu com franqueza a diversos interlocutores que as emendas que ampliavam o mercado livre e permitiam a venda de excedentes contratuais foram barradas pela ação do MME, embora até tivessem a simpatia do Ministério da Fazenda.
Curiosamente, há poucos dias, em conversa com a área empresarial, o ministro Edison Lobão negou que ele pessoalmente tivesse agido nesse sentido e perguntou a vários funcionários graduados do MME quem tinha tomado a iniciativa. Todos negaram. Está claro que alguém do MME é contra a ampliação do mercado livre e aparentemente age à revelia do titular da Pasta.
Não adianta. Essas forças ocultas continuarão ainda por algum tempo a se manifestar e a impor os seus pontos de vista, a nosso ver, retrógrados, como se o Brasil fosse uma espécie de Coréia do Norte (com todo o respeito àquele país). Mas isso não vai acontecer para sempre. Existem pessoas competentes e bastante esclarecidas no próprio Governo – vale lembrar que foi sob a gestão da então ministra Dilma Rousseff, à frente do MME, que o mercado livre deslanchou, se consolidou e chegou aos atuais 28% de participação. Chegará o momento em que o papel dos consumidores será reconhecido e mais valorizado.
Em tempo: há cerca de dois anos, dorme tranquilamente em alguma gaveta a proposta do próprio MME, que permitiria a venda de excedentes contratuais de energia elétrica por parte dos consumidores livres e especiais. Existe algo mais absurdo que você não poder vender algo que lhe pertence? Que tal se alguém no Governo se interessasse um pouco mais pelo assunto?
O mercado livre de energia elétrica oferece uma série de benefícios à economia brasileira, tais como redução dos preços e gestão de risco para os consumidores; fomenta o investimento em geração, propiciando sua expansão; possibilita a desindexação dos contratos as condições comerciais, afinal, são livremente pactuadas entre vendedor e comprador ; e aumenta a eficiência e a competitividade da economia, principalmente no campo industrial. Vale lembrar também há pessoas em órgãos importantes que parecem não saber que todos os contratos no mercado livre têm lastro físico, conforme determina a lei, e que 65% deles têm prazo de duração superior a quatro anos. Outro ponto: no Brasil só se torna livre quem quiser. É uma opção, não é uma obrigação.
Por que não estendermos esses benefícios no tocante ao consumo de energia elétrica a mais consumidores? Claro, de maneira gradual, organizada e segura. Certamente aumentaríamos a competitividade de nossa economia. Por fim, não deveria o Executivo recolocar esse assunto em pauta?
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